A Era dos dados e da informação: um estudo sobre o caso da Cambridge Analytica

Larissa Vitoriano
7 min readJun 12, 2020

Interessa-nos aqui pensar sobre como o homem mudou por completo a forma de comunicar nas últimas duas décadas com a democratização da internet a partir dos anos 2000. Inúmeras questões vieram à tona sobre a relação do indivíduo com a rede como, por exemplo, a coleta de informações dos usuários nas mídias sociais

Clicar no checkbox e aceitar os “Termos e Condições” são um dos pré-requisitos essenciais ao preencher o formulário para ingressar numa nova rede social. O usuário precisa estar ciente sobre os dados fornecidos, afinal, ele cria, compartilha e interage com outros utilizadores, além de disponibilizar uma série de informações como localizações geográficas, preferências e conexões.

O último caso concreto de grande repercussão midiática acerca da utilização de dados nas redes sociais de forma indevida foi da agência britânica Cambridge Analytica. Fundada em 2013, a empresa colaborou ativamente em diversas campanhas eleitorais, sendo as mais conhecidas a do Brexit, sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, e a campanha presidencial nos Estados Unidos em 2016 de Donald Trump.

A partir da denúncia de dois grandes veículos de comunicação americanos, o The New York Times e The Observer, a Cambridge Analytica foi acusada de utilizar dados de 50 milhões de perfis no Facebook de forma indevida e sem o conhecimento prévio dos usuários. A consultoria política recebeu duras críticas na sociedade civil e foi encerrada 2018 após inúmeros processos e apresentar ameaça à democracia.

O poder dos algoritmos

A cada nova ação no ambiente virtual, informações e rastros são gerados automaticamente: transações bancárias, downloads de aplicações, fotografias salvas na nuvem, troca de mensagens criptografadas. Vive-se a “era dos dados”, onde os objetos estão conectados à internet e as redes sociais são utilizadas por qualquer dispositivo, seja qual for o local, como uma smart tv na sala da própria casa ou smartwatch preso ao pulso.

Face às redes sociais, os algoritmos estão em todas elas, e utilizam dos supostos “rastros” como controle da periodicidade e o conteúdo disponível na timeline social do usuário, com a seguinte correlação: programação, comunicação e interesses. De acordo com Corrêa e Bertocchi (2012) “o buscador Google (e outros mais segmentados) e a rede social Facebook são baseados em algoritmos curadores que decidem qual a informação será disponibilizada.”

Já o Instagram foi a última rede social de maior impacto que, ainda no início não possuía os algoritmos na composição. As postagens apresentadas no feed do usuário eram por ordem cronológica. A partir de 2016 e após a inserção do instagram stories, os algoritmos dominaram a rede social e o conteúdo é disposto de acordo com as contas que mais interagem entre si, seja uma marca, empresa ou perfil pessoal. Segundo Laranjeira e Cavique (2014) “reduzida ao esqueleto básico, uma rede constitui simplesmente um conjunto de objetos conectados entre si de certa forma.”

Atualmente, os algoritmos estão presentes em todas as redes sociais e são considerados importantes ferramentas de marketing digital na performance das campanhas, baseadas em padrões de comportamento do usuário, como geolocalização ou preferências. As campanhas no social media podem ser feitas em qualquer conta classificada como profissional, mas não só as empresas utilizam desta estratégia, como é o caso de políticos em campanhas presidenciais.

Os algoritmos do Facebook

O Facebook é a rede social mais popular a nível mundial. Criada em 2004, ainda como thefacebook.com, apresentou ao mundo o botão curtir em 2009 e de lá para cá cresceu exponencialmente, com a aquisição do Instagram em 2012 e do WhatsApp em 2014. Já em 2016, vivenciou a primeira polêmica e sofreu duras perdas, após o envolvimento no caso da Cambridge Analytica e as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Em 2018 viu o fundador Mark Zuckerberg ser interrogado no congresso americano. Para a jornalista Sandra Crucianelli (2013), conhecida por trabalhar com jornalismo investigativo guiado por dados, ferramentas como o Google, Flickr, YouTube e os já mencionados Twitter e Facebook tornaram-se populares de uma maneira tal que a utilização delas é quase universal, estando disponível para todos, quer sejam ou não jornalistas.

São 16 anos de existência e uma forte influência em diversos setores, principalmente econômico, tecnológico e comunicacional. De acordo com a entrevista cedida ao jornalista Stuart Dredge, do The Guardian, em 2014, o engenheiro Lars Backstrom: “O Facebook tem o direito de filtrar o seu feed de notícias, inclusive para pesquisa: está ali nos termos de condições que poucos de nós lemos quando se inscrevem na rede social.”

Cambridge Analytica

A Cambridge Analytica é uma empresa britânica de mineração de dados. Foi acusada de manipulação de informações em escala industrial, de acordo com Brittany Kaiser, ex-diretora de desenvolvimento de negócios da corporação e delatora do caso.

Diferentes plataformas sugerem distintas formas leitura de redes digitais. Assim sendo, perguntamo-nos: como combinar o conhecimento da gramatização da plataforma com a prática de recolha e análise de dados? (Omena, Amaral, 2019, p.121)

Liderada pelo bilionário americano liberal Robert Mercer e gerenciada por Alexander Nix, empresário britânico, a recolha e análise de dados foi eficiente e decisiva na eleição de Donald Trump. Foi declarada falência em 2018.

Privacidade Hackeada

O Big Data foi um importante instrumento utilizado pela agência no tratamento, análise e obtenção dos dados dos eleitores americanos pelo modelo de sistematização das informações que produziram durante o período:

A produção de dados estimulada pelas Tecnologias da Informação e pela ubiquidade da internet, propiciaram o surgimento do Big Data, que tem como parte constituinte as bases de dados que podem ser explicadas como modelo de sistematização de coleta e armazenamento de informação.(MOURA, 2018, p.1)

Com o sonho de um mundo interligado pelas redes, existe uma indústria bilionária dos dados, e esta informação é apresentada repetidamente no documentário Privacidade Hackeada, produzido pela Netflix, em 2009, com foco no escândalo da Cambridge Analytica, guiado como personagem principal Brittany Kaiser.

Foto by Sam Barnes/Web Summit via Sportsfile

Há outros entrevistados, entre eles, a jornalista investigativa Carole Cadwalladr, quem expôs o caso à imprensa mundial e finalista do Prêmio Pulitzer de 2019 pela apuração e cobertura do escândalo no The New York Times e The Observer:

“Isto não é um assunto partidário de jeito nenhum. É sobre integridade da nossa democracia. É sobre a nossa soberania”, afirma a jornalista em conferência com a imprensa diante do escândalo do caso.

Cris Wylie, ex-funcionário e delator do caso, afirma à produção da Netflix que a segmentação dos usuários do Facebook não era feita como “possíveis eleitores”, mas sim por perfis de personalidade através de dados, likes e, às vezes, mensagens privadas. Além de mais de um milhão de dólares por dia em facebook ads durante as eleições de Trump.

Democracia segura?

A Cambridge Analytica foi criticada por influenciar os leitores com o marketing digital em campanhas eleitorais, logo, apresentou riscos à democracia por conta da influência nos resultados dos votos obtidos a partir de estratégias consideradas manipuladoras.

O universo da webdemocracia, e-democracia ou democracia digital inaugura uma porosidade eventualmente maior; no entanto, os interstícios podem albergar outras possibilidades de des-subjectivação e de intervenção ativista. (Caselas, 2012, p. 8)

O ativismo na web também floresceu após a denúncia do caso. Parte dos usuários do Facebook atentaram-se diante do escândalo e medidas foram tomadas para que houvesse mais segurança no ambiente virtual.

A Cambridge Analytica deixou um legado à internet na era dos dados, seja no escândalo que aconteceu e questões que vieram à tona devido ao fato, seja nas políticas públicas ou no ativismo web para devida proteção às informações de cada usuário.

Hoje em dia os principais nomes envolvidos no caso e ex-funcionários da empresa dão palestras e atuam no combate ao uso indevido de dados em prol de campanhas eleitorais e marketing digital.

Referências

Bertocchi, Daniela. Corrêa, Elizabeth. (2012). A cena cibercultural do jornalismo contemporâneo: web semântica, algoritmos, aplicativos e curadoria. Universidade de São Paulo — Brasil. Disponível em: http://www.periodicos.usp.br/matrizes/article/view/38329/41185

Caselas, J. (2012). A Democracia Digital e a Redefinição do Espaço Público.Universidade de Évora. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, Portugal. Disponível em: http://cfcul.fc.ul.pt/projectos/cidadania/coloquio/Comunicacoes/JoseCaselas.pdf

Crucianelli, Sandra. (2013). Guia de ferramentas digitais para jornalistas 2.0. O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas (EUA).

Dredge, Stuart. (2014). How does Facebook decide what to show in my news feed? The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/2014/jun/30/facebook-news-feed-filters-emotion-study

Laranjeira, P. Cavique, Luís. (2014). Métricas de Centralidade em Redes Sociais. Universidade Aberta. Portugal. Disponível em: https://rcc.dcet.uab.pt/index.php/rcc/article/view/20/35

MOURA, Isabella Cristina. (2018). O estado do Jornalismo de Dados no cenário luso-brasileiro. Universidade Nova de Lisboa.

OMENA, Janna Joceli. (2019). Métodos Digitais: teoria-prática-crítica. Lisboa, Portugal — Livros ICNOVA.

*Artigo desenvolvido para a cadeira de Redes Sociais e Mobilidade, do mestrado em Tecnologias da Informação, Comunicação e Multimédia, do Instituto Universitário da Maia — ISMAI, no Porto, em Portugal. Redigido em maio de 2020.

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Larissa Vitoriano

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