Diretor Nelson Baskerville apresenta Tchecov

Larissa Vitoriano
4 min readOct 20, 2019

Em uma conversa descontraída, sentado na plateia do Teatro Anchieta, durante a montagem do cenário do espetáculo, o ator, diretor e autor Nelson Baskerville conta para a EOnline como é produzir uma adaptação clássica. Com passagens pela televisão, sua última atuação foi o personagem Itamar, na novela “Em Família” (2014) da Rede Globo. Sua nova produção teatral, conta com nomes experientes no cenário paulista da dramaturgia, como Renato Borghi, Noemi Marinho e Pascoal da Conceição. Juntamente com a nova geração, como Élcio Nogueira, Julia Ianina, Rafael Primot, Thais Medeiros e Erika. Uma peça questionadora, que desperta no espectador a importância do teatro na cultura brasileira na contemporaneidade.

Veja a entrevista com o diretor:

EOnline: Como foi realizar uma adaptação do russo Tchekhov, considerado um dos maiores dramaturgos da história?

Nelson Baskerville: Foi um trabalho árduo, mas sempre muito instigante, por que o Tchekhov é cheio de fundos falsos, sabe? Quanto mais você mexe, mais descobre a profundidade das coisas. O desafio da adaptação é modernizar isso, sem perder a profundidade que ele imprime nas peças. Esse foi o desafio que exigiu umas seis ou sete adaptações. O grande desejo é a gente intermediar um clássico com os tempos de hoje, e torná-lo inteligível para o espectador, sem ter a pompa de “vou assistir um clássico”. A oportunidade que o Sesc deu para mim e para minha companhia, no considerado melhor palco de São Paulo, é uma coisa maravilhosa que exige grande responsabilidade.

EOnline: A peça trata da “falta de comunicação entre as pessoas e a impossibilidade de entendimento entre nós”. Na época em que foi escrita, havia outro contexto. Agora, na era dos smartphones, qual a maior influência desse meio na apresentação?

Às vezes eu penso que existe uma convenção de que o teatro tem que ser limpo e “quanto menos é mais”, uma concepção da qual eu não concordo. O público hoje está acostumado com a polifonia, ou seja, várias coisas ao mesmo tempo, e o meu espetáculo dá esse trabalho ao espectador. Por exemplo, há o palco da peça, dentro dele, o meta teatro, além do camarim dos atores no mesmo espaço, onde eles estão em cena. Eu tenho projeções que obrigam o espectador a entrar em um trabalho como se pudesse editar a peça enquanto está assistindo.

EOnline: Você teve grande sucesso com “Luís Antônio Gabriela”, apresentada inclusive em 2013 no Sesc Campinas, um espetáculo biográfico que escreveu e dirigiu, contando uma história familiar: a sua. Você sempre busca experiências pessoais para compor suas produções?

Não é uma coisa que eu elabore dessa forma, mas na questão do Luiz Antônio Gabriela, quando me perguntavam sobre a exposição, eu falava, tenho 30 anos de carreira como ator e diretor, a exposição faz parte como ferramenta de trabalho, sempre foi. Não há nada que eu possa fazer em que eu não me comprometa e não seja baseado na minha visão de mundo, na minha experiência de vida, no meu histórico. No 1 Gaivota, eu sou cada personagem desses e estou o tempo todo tentando dirigir o olhar do ator através da minha experiência de vida junto com a dele. Tudo o que eu faço acaba sendo biográfico.

EOnline: A cenografia do espetáculo, assinada por você e a Amanda Vieira, é construído através de elementos, onde nada é perfeito e limpo. Por que decidiu utilizar essas características na produção?

Isso também é uma coisa de visão de mundo. Às vezes, o teatro tenta passar uma limpeza estética que não existe mais, assim como o silêncio é uma coisa abstrata hoje. Sempre alguma coisa está acontecendo e tem interferência. Você tem duas saídas: ou ficar limpando tudo o que vê pela frente ou conviver com isso e conseguir achar a beleza. Isso se chama ‘A Arquitetura do Desconhecido’, perceber que a natureza é determinante nas coisas que você faz. Ter uma abertura na alma para aceitar todas as interferências dos que estão envolvidos. Sempre canalizar, nunca represar.

EOnline: A Antikatártika Teatral (AKK), sua companhia foca no gênero dramático. Pode-se esperar desse espetáculo uma emoção aguçada aos espectadores?

Na verdade, é a quebra do gênero dramático, um desabafo contra ele. Não contra a dramaticidade das coisas, mas com a forma, o gênero. A minha ideia é, por exemplo, o público vendo como é feito, a dramaticidade fica intacta nisso. A ideia da Antikatártika é o rompimento de um teatro convencional mal feito.

EOnline: Para finalizar, é realmente impossível viver sem teatro para você?

A pergunta “É impossível viver sem teatro”, para mim e para todo mundo da equipe sim. E eu queria que cada espectador se perguntasse sobre o que está fazendo para o teatro não acabar. Nunca irá, mas se está o tratando com alguma relevância. Essa é a grande questão. Esse foi o meu ponto de partida para fazer o Gaivota e me questionar qual é a importância do teatro hoje. O mundo é caótico e vivemos num país onde o teatro não faz parte do hábito do povo brasileiro, como na Argentina ou no Uruguai, onde as pessoas saem do trabalho e vão ao teatro.

EOnline: E qual o principal motivo disso?

Muitos motivos, mas acho que a culpa é nossa mesmo. O teatro precisa ser relevante, e sabe o que é isso? É acordar no meio da noite e lembrar uma imagem da peça que você viu. A minha tentativa é um teatro relevante, uma experiência confundida não com o entretenimento apenas, mas sim com a cultura.

Texto originalmente publicado na Revista Eonline do Sesc São Paulo.

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Larissa Vitoriano

Developer Relations do tipo contadora de histórias, nerd, techlover e que ama as coisas simples da vida 💫#maismeninasnatecnologia larissavitoriano.com