E isso diz muito sobre a minha caixa torácica

Jóquei foi meu livro de cabeceira durante três dias. Devorei-o.

Larissa Vitoriano
2 min readJul 28, 2020

O ano era 2018, ainda trabalhava como redatora numa agência na avenida mais paulistana de todas. Saía todos os dias do trabalho às 18h e caminhava até a Livraria Cultura, espaço emblemático na cidade e considerado um dos sítios preferidos dos amantes das letras como a pessoa que vos escreve este breve relato.

Encontrei a obra na seção de romances pousado numa prateleira de madeira mogno. Capa vermelha, sem grandes ilustrações ou imagens de impacto. A originalidade do texto de Matilde Campilho encantou-me logo nos primeiros versos e prosas. Textos cheios de adjetivos e misturas entre a dicção do português de Portugal e o português do Brasil.

Encantava-me como era possível a combinação perfeita de duas línguas que suponhamos ser a mesma, mas que possui diferenças consideráveis: a entoação das palavras, os tempos verbais e as formas de tratamento. O tu português. O gerúndio brasileiro. Amo-te. Te amo. Bem luso-brasileiro: Rio-Lisboa.

A escritora também insere expressões em inglês e imerge o leitor para três universos distintos. Versos em sintonia e fluidos cheios de referências diversas: ciência, literatura, objetos do cotidiano, cenários da natureza. Também sobre amores, saudade e imigração.

Considero um trecho do poema Conversa de fim de tarde depois de três anos no exílio como o preferido:

Passaram-se mais de dois anos desde que li o primeiro poema de Matilde. Ainda permanece como meu livro de cabeceira. Recorro aos textos quando preciso de versos amáveis antes de adormecer.

Em 2019 meti-o dentro da minha mala e viajei com ele para as terras lusitanas. País esse o mesmo da autora. Também da minha família materna e que foi meu lar durante meses a fio.

A autora lançou a segunda obra chamada Flecha neste mês. Enquanto a caixa do correio de casa não recebe a encomenda, contento-me em ler mais uma vez o segundo poema preferido. Inclusive, que deu título a este texto:

“Era capaz de atravessar a cidade em bicicleta só para te ver dançar.
E isso
diz muito sobre a minha caixa torácica.”

Matilde diz muito sobre o coração, ou melhor, a caixa torácica que ali reside no meu corpo. Além de enigmas, atmosferas e cenários dos dois países que contemplam o meu dia a dia, existência e raízes.

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Larissa Vitoriano

Developer Relations do tipo contadora de histórias, nerd, techlover e que ama as coisas simples da vida 💫#maismeninasnatecnologia larissavitoriano.com